MEDO DE NÓS PRÓPRIOS - Oscar Wilde


Acredito que se um homem vivesse a sua vida plenamente, desse forma a cada sentimento, expessão a cada pensamento, realidade a cada sonho, acredito que o mundo beneficiaria de um novo impulso de energia tão intenso que esqueceríamos todas as doenças da época medieval e regressaríamos ao ideal helénico, possivelmente até a algo mais depurado e mais rico do que o ideal helénico. Mas o mais corajoso homem entre nós tem medo de si próprio. A mutilação do selvagem sobrevive tragicamente na autonegação que nos corrompe a vida. Somos castigados pelas nossas renúncias. Cada impulso que tentamos estrangular germina no cérebro e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e acaba com o pecado, porque a acção é um modo de expurgação. Nada mais permanece do que a lembrança de um prazer, ou o luxo de um remorso. A única maneira de nos livrarmos de uma tentação é cedermos-lhe. Se lhe resistirmos, a nossa alma adoece com o anseio das coisas que se proibiu, com o desejo daquilo que as suas monstruosas leis tornaram monstruoso e ilegal. Já se disse que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e apenas neste, que ocorrem os grandes pecados do mundo. 


OS 10 MELHORES FILMES QUE RETRATAM O CONTINENTE AFRICANO

1- HOTEL RUANDA - 2004 / Terry George

O filme ambientado em Kigali demonstra os horrores da Guerra civil da Ruanda, conflito ocorrido em 1994 ocasionado pela rivalidade entre as etnias hutus e tutsi e que foi responsável por uma das maiores chacinas da segunda metade do século XX.
O longa disserta sobre a história do "hotel de refugiados", como ficou conhecido o Hotel des Mile Collines sob a gerência de Paul Rusesabagina, um hutu que durante o conflito civil protegeu e salvou a vida de cerca de 1268 pessoas durante o genocídio de Ruanda.


2- O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA - 2006 / Kevin Macdonald

O filme baseado no livro homônimo de Giles Foden, que rendeu o Ocar de melhor ator para Forest Whitaker, relata a história de um médico escocês que trabalha no principal hospital de uma pequena cidade da Uganda e ao socorrer o presidente do país em visita a cidade, ganha a sua confiança e passa exercer um cargo importante no governo, mas se vê obrigado a ir contra ele ao descobrir suas atitudes questionáveis. 
A obra apesar de ser narrada por um personagem ficcional foi baseada em fatos reais e teve a figura do ditador inspirada pelo militar Idi Amin Dada que ditou a Uganda entre 1971-79, após um golpe de Estado.


3- DIAMANTE DE SANGUE - 2006 / Edward Zwick

Tendo como cenário principal o conflito civil que ocorreu na Serra Leoa na década de 1990, o filme que traz em seu elenco Leonardo DiCaprio e obteve cinco indicações ao Oscar, disserta sobre a problemática dos diamantes contrabandeados (diamantes de sangue) que financiam as guerras que assolam o continente africano e inclui em seu doloroso contexto as crianças alienadas pelos rebeldes com intuito de serem usadas no chamado exército infantil.


4- INVICTUS - 2009 / Clint Eastwood

O filme ambientado na África do sul pós- Apartheid, que tem em seu título uma alusão ao poema do inglês William Ernest Henley, rendeu à Morgan Freeman o Oscar de melhor ator e à Matt Damon à indicação de melhor ator coadjuvante.
A trama disserta sobre os esforços do recém eleito presidente Nelson Mandela para extinguir a segregação e/ou os preconceitos ainda existentes. Para isso ele decide incentivar equipe da seleção nacional de Rúgbi, comandada por Francois Pienaar - um branco - à vencer a Copa do Mundo do gênero esportivo, que será realizado ineditamente no país.
O filme demonstra com maestria o cenário do pós Apartheid sul africano e as dificuldades para superar isto.


5- REPÓRTERES DE GUERRA - 2011 / Steven Silver

Baseado no livro "The Bang-Bang Club: Snapshots from a Hidden War", o filme retrata a história de duas fotografias ganhadoras do prêmio Pulitzer, tendo como cenário os sangrentos conflitos envolvendo as primeiras eleições livres depois do fim do regime de Apartheid que vigorava na África do Sul.
O filme narra as dificuldades e perigos do chamado jornalismo de guerra, mediante a miséria e problemas do continente africano.


6- O JARDINEIRO FIEL - 2005 / Fernando Meirelles

A trama dirigida pelo premiado diretor brasileiro recebeu 3 indicações ao Globo de ouro e 4 indicações ao Oscar, sendo Rachel Weisz vencedora em ambos na categoria de melhor atriz coadjuvante.
A história apresentada em forma de um romance dramático, disserta sobre a gigantesca rede de corrupção da indústria farmacêutica internacional.
Baseado em um romance de John le Carré, o longa mostra a realidade de miséria e exclusão da população do Quênia, que na trama são expostos à testes involuntários e inconscientes por parte de uma indústria farmacêutica. O filme é uma crítica ferrenha à omissão e as armas do capitalismo.


7-  REDENÇÃO - 2011 / Marc Foster

Estrelado por Gerard Butler, o filme narra a verídica história de um pastor que abdica do conforto de sua vida nos EUA para se dedicar as crianças órfãs do Sudão.
O filme relata as atrocidades cometidas pelo exército rebelde durante a guerra civil do Sudão, e traz mais uma vez a realidade vivida pelas crianças convocadas para formar uma milícia infantil e as dificuldades de manutenção de ONG's.


8- A MASSAI BRANCA - 2005 / Hermine Huntgeburth

Baseados em fatos reais e inspirado no best-seller homônimo, o filme disserta sobre o choque cultural e a história de amor entre uma suiça e um guerreiro de uma tribo massai.
O longa demonstra a cultura e tradições da tribo africana massai remanescente do Quênia e seus contrastes com a sociedade moderna, exaltando seus esforços para manutenção e preservação desses costumes.


9- A SOMBRA E A ESCURIDÃO - 1996 / Stephen Hopkins

Ambientado em 1898 (auge da corrida colonialista) quando a África era disputada por franceses, alemães e britânicos; o filme indicado à 6 Oscars incluindo o de melhor filme, narra sobre a história verídica que ocorreu durante a construção de uma ponte sob o rio Tsavo, quando a equipe de operários foram atacados por dois leões a quem os aldeões acreditavam se tratar de espíritos.
O filme demonstra a questão da colonização, dos esteriótipos partilhados na época e as crendices africanas.



10- AMOR SEM FRONTEIRAS - 2003 / Martin Campbell

O filme protagonizado por Angelina Jolie, demonstra de maneira explícita os contrastes entre os países ricos e os subdesenvolvidos. Em uma trama envolvente, o longa narra sobre a difícil tarefa dos voluntários e das organizações não governamentais para se manterem e a vida de sofrimento a que os refugiados de guerra são submetidos.
Demonstrando a triste realidade e problemas enfrentados por países africanos em divergência com ao comodismo e a inércia dos países de "primeiro mundo" frente à estes assuntos.


AS FLORES DE UM DESERTO

Considerado o mais árido e mais alto deserto do mundo, o deserto do Atacama é localizado na região norte do Chile e se estende até a fronteira com o Peru.


A umidade no deserto se aproxima do zero, sendo que as chuvas são raras devido à sua altitude.
Porém no fim do ano o evento climático El Niño favorece a ocorrência de chuvas na região, com um volume equivalente a mais de 15mm.
Durante esse período, ocorre o que os chilenos chamam de Deserto florido, quando as sementes e bulbos adormecidos e depositadas em terreno rochoso germinam, acompanhado por uma proliferação de insetos e lagartos.
O volume das chuvas é importante, mas não é tudo. É preciso ainda que aconteçam em intervalos regulares, nem muito fortes nem muito esparsas, e que as geadas não venham a interromper a germinação durante o inverno.
Se essas condições forem reunidas, o deserto florido pode durar de setembro a dezembro.



Existem no deserto cerca de 200 espécies endêmicas que não existem em nenhum outro lugar do mundo, sendo que dessas, 14 estão ameaçadas de extinção.
O parque Llanos de Challe, a 400 km de Santiago foi criado com o intuito além de vistoriar o deserto, de proteger as flores e preservar o fenômeno. O parque inclusive, promove anualmente um evento denominado Deserto florescer, que inclui dentre suas programações concertos musicais e uma seção de apresentação de produtos típicos.




A beleza e exuberância concede à este evento intrigante uma das mais fascinantes paisagens naturais, sendo responsável por grande atração de turistas para região.




ALMODOVAR- o brilhante sonhador

Polêmico, cult, soberbo e inovador... esse é Pedro Almodóvar Caballero, o enigmático cineasta espanhol que surpreende a cada nova obra e formidavelmente nos apresenta, insere, instiga e nos convida à analisar os mais diversos temas.


Almodóvar nasceu no dia 24 de setembro de 1949 na cidade de Calzada de Calatrava, na província de La Mancha na Espanha. No ano de 1968 no auge da ditadura do general Franco, ele com então 19 anos partiu para capital espanhola, onde trabalhou como funcionário de uma agência telefônica, cartunista, cantor e ator.
Sem dinheiro para custear uma faculdade e apaixonado por cinema, Almodóvar comprou sua primeira câmera 8mm em 1973 quando iniciou suas práticas cinematográficas e a produção de curtas metragens.
A sua primeira obra de destaque fora da Espanha foi Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão (1980) uma obra feminista e provocante que conquistou a opinião crítica e colocou Almodóvar em evidência.
Em seguir foram lançados Labirinto de paixões (1982), Maus Hábitos (1983), O que eu fiz para merecer isso (1984), Trailer para amantes do proibido - não lançado no Brasil (1985), Matador (1986) e Lei do desejo (1987). Estas obras compreendem aquela que os analistas denominam de primeira fase do cineasta, que coincide com a época da La Movida madrilenha (movimento contra-cultural da Espanha pós-franquista).


A segunda fase de produção de Almodóvar, consiste no período de consagração internacional do cineasta e que iniciou em 1988.
Em 1988 Almodóvar lançou  a comédia dramática Mulheres a beira de um ataque de nervos, seu primeiro grande sucesso internacional.
Em seguida o cineasta lançou ¡Átame! (1990), um suspense romântico que rompeu com a tática almodovariana de utilizar vários contextos em um enredo e fixou somente no cenário proposto. A obra foi seguida por De salto alto (1991), Kika (1993) e A flor do meu segredo (1995).


Em 1997 iniciou a terceira fase da carreira de Almodóvar, período em que compreende as obras-primas do cineasta, onde ele alcançou o êxtase produtivo.
Esse período inicia com Carne trêmula (1997) e é seguido por Tudo sobre minha mãe (1999), Fale com ela (2002), Má educação (2004), Volver (2006), Abraços Partidos e A vereadora antropófaga (2009) e A pele que eu habito (2011).
As obras Tudo sobre minha mãe e Fale com ela, consideradas as obras-primas de Almodóvar foram responsáveis pelas mais importantes premiações recebidas por ele, sendo que Tudo sobre minha mãe foi vencedor da categoria melhor filme estrangeiro nas premiações do Globo de Ouro e Oscar de 1999 e Fale com ela recebeu o Oscar de melhor roteiro original e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro de 2002.



A MENTE DE UM GÊNIO  -  um mergulho no universo almodovariano 




Almodóvar é um cineasta que basicamente cria um cinema de cenários e diálogos. O feminismo sempre se mostrou nas obras de Almodóvar, sendo que de maneira evolutiva tornou-se característico de suas obras.
Suas obras trazem temáticas diversas envoltas em segundo plano seja pela ambiguidade sexual de seus personagens, pelo jogo de aparências entre os gêneros, relações interpessoais de extrema carga afetiva,  apropriação pela mulher de atitudes masculinas e vice-versa ou pela questão do desejo (muitas vezes transcendente e exacerbado).
Os enredos de suas obras são dotados de polissemia e sempre trazem em suas narrativas referências à temas polêmicos como pedofilia, estupro, incesto, traições e homicídios.
Influenciado pelo estilo de Buñel, de quem é fã, Almodóvar recria um universo colorido e multifacetado.
Esteticamente suas obras são caracterizadas pela combinação do universo de personagens e situações exacerbadas com ambientes kitsch, ao som de antigos boleros.
As cores fortes, tanto nos elementos dos cenários quanto nos figurinos, utilizando principalmente o vermelho – que, em consonância com a cultura espanhola, remete a paixão, sangue, fogo – tornam-se estratégias plásticas que ajudam a compor a estética cômica/melodramática da maioria de seus filmes (são as chamadas cores de Almodóvar).
A virtual incongruência estética de Almodóvar paradoxalmente é a chave de sua genialidade. Cenários impregnados de cores vibrantes (o vermelho é sua cor fetiche), figurinos extravagantes, personagens caricatos e trilha sonora deliciosamente brega traduzem a grife almodovariana.



sobre as obras:

Almodóvar iniciou sua carreira durante o período franquista na Espanha, produzindo curtas metragens que são de difícil acesso atualmente, mas que revela um Almodóvar não tão preocupado com a construção da cena, como lhe é característico.
Em Salomé (1978) uma adaptação da célebre obra do inglês Oscar Wilde, nota-se uma construção cênica pobre e sem as famosas cores almodovariana. O filme trata-se de uma conjunção e fratura de épocas (inserção de elementos de períodos distintos em um contexto) e disserta sobre a história de Isaac do Antigo testamento, nele Almodóvar ainda não possuía a prática de se preocupar com a construção dramática da cena, muitas vezes tida como característica vital de sua obra .
Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão seu primeiro longa, consiste numa narrativa sobre três mulheres diferentes interligadas entre si de alguma maneira.
O enredo traz as aventuras praticadas pelas personagens em esboços. Pepi é uma vítima de estupro em busca de vingança, Luci uma dona de casa masoquista e Bom uma cantora de punk lésbica.
Esse filme decisivo para o cineasta, marca a introdução de Almodóvar em temas polêmicos, causando espanto pela famosa cena em que Bom urina em Luci durante um ato sexual lésbico.



Em A lei do desejo, ele demonstra a polivalência de seu cinema ao narrar a história de um diretor de teatro se envolve com um rapaz sexualmente indeciso - Antonio Bandeiras -, enquanto dirige uma peça a ser estrelada pela irmã transexual (que mudou de sexo para manter relações com seu pai), enquanto disserta sobre relações familiares, incesto, questões psicológicas e valores morais.


Em Kika Almodóvar polemiza ao retratar como a vida de Kika é transformada drasticamente após um estupro. A obra traz de maneira implícita um panorama sobre as leis penais (retomada em A pele que habito), sobre relacionamentos extraconjugais e fidelidade além de uma ferrenha crítica à intervenção midiática.


Na sua obra prima Tudo sobre minha mãe, o cineasta adentra no universo dramático narrando sobre o infortúnio de uma mãe que perde o filho e sua busca alucinante pelo pai do garoto. Mais uma vez Almodóvar encanta ao retratar temas polêmicos como Aids, religião, existencialismo e identidade sexual.


O também aclamado Fale com ela, retrata a melancólica cena de dois homens que esperam ansiosos suas amadas despertarem de um coma. Este filme cheio de nuances, reviravoltas e histórias que se entrecruzam, combina elementos de dança moderna e do cinema mudo, com uma narrativa que envolve coincidência e destino.


Em Má educação, Almodóvar retoma o tema proposto em Maus hábitos anteriormente e recebe altas críticas. Dissertando sobre a moralidade religiosa, a homossexualidade, prostituição e pedofilia ele atinge o ápice da polêmica e propõe a revisão de valores.


Em Abraços Partidos, talvez sua mais complexa obra (ou pelo menos em minha opinião) Almodóvar recorre à tática de apresentar uma estrutura fragmentada, enigmática, misturando passado e presente e filme dentro de um filme. Consiste numa homenagem ao cinema, onde ele aborda de maneira singela os desfechos e acontecimentos inesperados da vida.


Por fim A pele que eu habito lançado em 2011, retratou um cirurgião plástico obcecado pela criação da pele perfeita e por sua mulher. Trata-se basicamente de uma indagação sobre a ética e um discurso sobre amores platônicos e sobre a liquidez e busca por conhecimento.


Almodóvar é conhecido por suas predileções no que se diz respeito à escolha de atrizes e atores, dentre suas musas estão Carmem Maura, Marisa Paredes, Penélope Cruz, Rossy de Palma e Chus Lampreave e seu ator preferido é Antonio Bandeiras.

um suspiro contra hipocrisia

Assumidamente gay, Almodóvar aborda a temática de orientação sexual em muitas de suas obras como Pepi, Luci, Bom e outras garotas de montão, Labirintos de Paixões,  A lei do desejo (onde retrata a vivência entre irmãos, um gay e o outro transsexual) e Má educação.
Além disso, o cineasta tem assuntos recorrentes em suas obras como o estupro (abordado em Kika, Fale com ela, O que eu fiz para merecer isto? e Má educação), homicídio (presente em Volver, Matador, Carne trêmula, O que eu fiz para merecer isto?, Má educação, A lei do desejo e Kika), o incesto (A lei do desejo, Kika e Volver), além da crítica aos valores da Igreja (Maus hábitos e Má educação).
De uma maneira descontraída e ambivalente, Almodóvar desconstrói o grotesco explicando-o. Utilizando perversões, exuberâncias e descontroles ele demonstra e denuncia as imoralidades, os abusos e as falsidades que a sociedade alimenta sob a égide da hipocrisia e do discurso do impróprio e importuno.

PERPETUAR O SILÊNCIO- Theodore Adorno


Já nada há de inofensivo. As pequenas alegrias, as manifestações da vida que parecem isentas da responsabilidade do pensamento não só têm um momento de obstinada estupidez, de autocegueira insensível, mas entram também imediatamente ao serviço da sua extrema oposição.
Até a árvore que floresce mente no instante em que se percepciona o seu florescer sem a sombra do espanto; até o "como é belo!" inocente se converte em desculpa da afronta da vida, que é diferente, e já não há beleza nem consolação alguma excepto no olhar que, ao virar-se para o horror, o defronta e, na consciência não atenuada da negatividade, afirma a possibilidade do melhor. É aconselhável a desconfiança perante todo o lhano, o espontâneo, em face de todo o deixa-andar que encerre docilidade frente à prepotência do existente.
O malevolente subsentido do conforto que, outrora, se limitava ao brinde da jovialidade, já há muito adquiriu sentimentos mais amistosos. O diálogo ocasional com o homem no combóio, que, para não desembocar em disputa, consente apenas numas quantas frases a cujo respeito se sabe que não terminarão em homicídio, é já um elemento delator; nenhum pensamento é imune à sua comunicação, e basta já expressá-lo num falso lugar e num falso acordo para minar a sua verdade. De cada ida ao cinema volto, em plena consciência, mais estúpido e depravado. A própria sociabilidade é participação na injustiça, porquanto dá a um mundo frio a aparência de um mundo em que ainda se pode dialogar, e a palavra solta, cortês, contribui para perpetuar o silêncio, pois, pelas concessões feitas ao endereçado, este é ainda humilhado [na mente] do falante.
O funesto princípio que já sempre reside na condescendência desdobra-se no espírito igualitário em toda a sua bestialidade. A condescendência e o não ter-se em grande monta são a mesma coisa. Pela adaptação à debilidade dos oprimidos confirma-se, em tal fraqueza, o pressuposto da dominação e revela-se a medida da descortesia, da insensibilidade e da violência de que se necessita para o exercício da dominação.
Se, na mais recente fase, decai o gesto da condescendência e se torna visível apenas a igualação, então tanto mais irreconciliavelmente se impõe em tão perfeito obscurecimento do poder a negada relação de classe. Para o intelectual, a solidão inviolável é a única forma em que ainda se pode verificar a solidariedade. Toda a participação, toda a humanidade do trato e da partilha são simples máscara da tácita aceitação do inumano. Há que tornar-se consonante com o sofrimento dos homens: o mais pequeno passo para o seu contentamento é ainda um passo para o endurecimento do sofrimento.


Pesquisar