A AMÉRICA LATINA EM LIVROS - seis incríveis obras sobre a América Latina

1- MEMÓRIA DO FOGO - Edardo Galeano

Eduardo Galeano pra mim é sem dúvidas, o escritor que melhor retrata a América Latina e toda a sua peculiaridade cultural. Dono de uma escrita formidável e com um interesse especial pelo povo latino-americano, Galeano nos apresenta um panorâmico parecer da história da América Latina desde a época pré-colombiana até o século XX.
Dividido em três livros lançados entre 1982 e 1986, Galeano utiliza um linguajar histórico, poético e épico para descrever as narrativas históricas latino-americanas.
O primeiro livro Os nascimentos, abrange os séculos XV, XVI e XVII; o segundo, As caras e as máscaras, os séculos XVIII e XIX, e O século do vento, o último fecha o século XX. 
Galeano que possui formação em Jornalismo, atinge nessa premiada obra um formidável formato literário capaz de prender o leitor em uma indagação de onde termina a realidade e começa o imaginário.
                             

(trecho de Nascimentos)

"[1562, Maní - México, província de Yucatán, cidade sede da dinastia maia]

Frei Diego de Landa atira às chamas, um após o outro, os livros dos maias. O inquisidor amaldiçoa Satanás e o fogo crepita e devora.
Em volta do queimadeiro, os hereges uivam de cabeça para baixo. Pendurados pelos pés, em carne viva pelas chibatadas, os índíos recebem  banhos de cera fervendo enquanto crescem as chamas e gemem os livros, como queixando-se.Esta noite se transformam em cinzas oito séculos de literatura maia. Nestes longos rolos de papel de casca de árvore, falavam os sinais e as imagens: contavam os trabalhos e os dias, os sonhos e as guerras de um povo nascido antes que Cristo.Com pincéis de pêlos de javali, os sabedores de coisas tinham pintado estes livros iluminados, iluminadores, para que os netos dos netos não fossem cegos e soubessem ver-se e ver a história dos seus, para que conhecessem os movimentos das estrelas, as frequências dos eclipses, as profecias dos deuses e para que pudessem chamar as chuvas e as boas colheitas de milho."

2- DE MOTO PELA AMÉRICA DO SUL - Ernesto Che Guevara

Elaborado por Che Guevara em forma de narrativa, a obra foi resultante de anotações detalhadas de Che sobre uma viagem feita com seu amigo Alberto Granado, da Argentina até a Venezuela, no ano de 1952.
O jovem Che na época com vinte e três anos, nos presenteia com relatos e reflexões pessoais sobre a realidade intrigante e muitas vezes perigosa sobre a América Do Sul. Apesar de possuir um tom autobiográfico, revelando indagações constantes de cunho profissional e pessoal de Che, o livro nos oferece a visão da América na década de 1950, período de grande conturbação política e econômica na região.
O livro vem antes do mito amado ou criticado guerrilheiro e um dos líderes da Revolução Cubana. Neste livro Che se mostra apenas um jovem aventureiro e sonhador, que na garupa de uma moto observa e tenta viver profundamente a América.


(trecho do capítulo II)

"Em poucas palavras, era assim que nossa ousadia era descrita: nós, especialistas, figuras-chave do campo da leprologia nas Américas, com uma vasta experiência, já tendo curado mais de três mil pacientes, familiarizados com todos os centros importantes do continente e com suas condições sanitárias, tínhamos nos dignado a visitar esta cidadezinha pitoresca e melancólica. Nós imaginamos que eles iriam apreciar bastante nosso respeito pela cidade, mas não sabíamos com certeza. Logo, toda a família estava reunida ao redor do artigo e todos os outros itens do jornal eram tratados com um desprezo olímpico. E assim, deleitados com a admiração de nossos anfitriões, demos adeus a essas pessoas de quem hoje não lembramos nada, nem mesmo os nomes. Tínhamos pedido permissão para deixar a moto na garagem de um homem que morava na saída da cidade e nos dirigimos para lá. Só que, agora, não éramos mais um par de quase-mendigos com uma moto a reboque, Não, agora nós éramos “os especialistas”, e era assim que nos tratavam. Passamos o dia consertando a moto, e m a empregada mestiça vinha sempre nos oferecer os mais variados petiscos. Às cinco da tarde, depois de um lanche suntuoso."

3- NOTÍCIA DE UM SEQUESTRO - Gabriel García Márquez

García Márquez ficou conhecido mundialmente após ser agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura pelo conjunto de sua obra, no ano de 1982, sendo o primeiro escritor colombiano a receber tal honraria e o quarto latino americano.
A obra Cem Anos de Solidão fez García Márquez ganhar fama mundial e o colocou como queridinho de muitos. Confesso que ele é meu escritor latino favorito, sou absolutamente fascinada por suas obras e poderia colocar nessa lista ainda o meu favorito O general em seu labirinto, mas creio que Notícia de um sequestro é mais cabível e expressa melhor o propósito dessa lista.
Nesta obra baseada em fatos reais, García Márquez que também possui formação em Jornalismo, nos insere na realidade do narcotráfico colombiano em uma narrativa sobre dez sequestros orquestrados pelo cartel do famoso traficante Pablo Escobar.
A obra que mescla elementos fantásticos (que é a marca registrada do autor) com descrições realistas dos eventos ocorridos na década de 80.


(Trecho de Notícia de um sequestro)

"Embora sejam cada vez mais firmes as minhas convicções sobre o que é e deve ser o
exercício do jornalismo, não o vejo com clareza nem espaço. As dúvidas não poupavam
nem sua própria revista, que vi tão pobre não apenas comercialmente, ma também
editorialmente. E sentenciou com pulso firme: Falta a ela profundidade e análise."

4- MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO: OS SEGREDOS DOS PORÕES DA DITADURA - Flávio Tavares

Em um relato emocionante sobre a ditadura militar brasileira, Flávio que sofreu na carne as técnicas usadas pela polícia política do regime militar para incriminar os inimigos do regime, descreve com uma maestria notável as barbáries de um regime sanguinário.
 O livro narra a dolorosa trajetória de perseguição à Flávio, que após ser torturado e expulso do país, refugiou-se  no México e na Argentina. Seqüestrado e preso novamente no Uruguai, foi libertado, depois de mais sofrimentos físicos, e seguiu para a Europa. Flávio retornou ao Brasil após 10 anos de exílio, em 1979.


(Trecho de Memórias do Esquecimento: Os Segredos dos Porões da Ditadura)

"Para que recordar o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, que nos libertou da prisão ou da morte, se a partir daí - nesse triunfo concreto e frágil - a violência da ditadura se acelerou e o país inteiro terminou aprisionado na imundície açucarada do seu ventre? Para que recordar o México do exílio - que significou a libertação e a liberdade - se de lá eu saí e fui viver o horror da Argentina dos anos 70, logo outra vez a prisão no Uruguai, com requintes de uma crueldade que nem sequer conheci no quartel da Rua Barão de Mesquita, no Rio, na própria pele ou nos gritos daquelas duas mulheres torturadas, que se expandiam na madrugada, como se o inferno falasse?"

5- A SOMBRA DO DITADOR - Heraldo Muñoz

Muñoz traz um relato detalhado do golpe militar chileno que derrubou o governo de Salvador Allende e implantou a ditadura de Augusto Pinochet, no ano de 1973; no que viria se tornar a época de maior intolerância e violência do país.
Neste livro Muñoz nos apresenta relatos e fatos desconhecidos, reforçados por documentos documentos secretos, além de entrevistas com os principais personagens envolvidos.


(trecho de A sombra do ditador)

"Havia, por exemplo “o submarino”, em que o prisioneiro era afundado num tanque de água cheio de excrementos e amônia até começar a afogar-se; a parrilha (grelha elétrica), na qual uma vítima nua e ensopada era amarrada à estrutura metálica de um colchão de molas enquanto lhe davam choques na boca, nos ouvidos e nos órgãos sexuais (…) Dedos e unhas foram extraídos com alicates; ratos foram introduzidos nas vaginas de mulheres. Muitas mulheres foram brutalmente estupradas; mulheres grávidas eram torturadas e mortas; outros prisioneiros eram obrigados a jogar roleta russa, sofrer privação de sono e de comida, passar por execuções simuladas e muito mais.
Centenas morreram, em particular durante as primeiras semanas e meses após o golpe. Campos de concentração foram abertos em todo o Chile: Chacabuco, Pisagua, Quiriquinas, ilha Dawson, Ritoque, Tejas Verdes, Londres 38, Villa Grimaldi, José Domingos Cañas, Academia de Guerra Aérea e Escuela de Caballería de Quillota são somente alguns dos lugares onde os chilenos foram presos, torturados e assassinados."

6- AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA - Eduardo Galeano

Escrita na década de 1970 quando o mundo estava dividido pela Guerra Fria e a maioria dos países do continente americano padecia por cruéis ditaduras, o livro "tornou-se um autêntico clássico libertário, um inventário da dependência e da vassalagem de que a América Latina tem sido vítima, desde que aqui aportaram os europeus, no final do século XV".
Transbordando compaixão e nacionalismo, Galeano toca em pontos profundos da história do continente e é considerado por alguns, obra fundamental para entender a história da América Latina.


(trecho de As veias abertas da América Latina)

"Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros de peste, avançavam os implacáveis e escassos conquistadores da América. É o que contam as vozes dos vencidos. Depois da matança de Cholula, Montezuma envia novos emissários ao encontro de Fernão Cortez, que avança rumo ao vale do México. Os enviados presenteiam os espanhóis com colares de ouro e bandeiras de penas de quetzal. Os espanhóis “deleitavam-se. Como se fossem macacos levantavam O ouro, como que se encantassem, gestos de prazer, como que se lhes renovasse e iluminasse o coração. Como que certo é que isso desejam com muita sede. Se lhes incha o corpo por isto. Como uns porcos famintos que anseiam pelo ouro”, diz o texto náhuatl; preservado no Códice Florentino. Mais adiante, quando Cortez chega a Tenochtitlán, a esplêndida capital asteca de 300 mil habitantes, os espanhóis entram na casa do tesouro, “e logo fizeram uma grande bola de ouro, e puseram fogo, incendiaram, atearam fogo a tudo que restava, por mais valioso que fosse: com o que tudo ardeu. E em relação ao ouro, os espanhóis o reduziram a barras...” 

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