À ESPERA DOS BÁRBAROS - Konstantino Kaváfis



Kaváfis foi uma espécie de saudosista do mundo helênico. Na época, a cidade era um protetorado da Inglaterra, onde ele foi estudar, voltando depois à terra natal. Homossexual, boa parte de sua poesia, evidencia suas aventuras amorosas pelos “catres” de Alexandria. Mas é no desencanto ilustrado, culto e pessimismo dos poemas de evocação histórica que está o melhor de sua produção.
No poema "À espera dos bárbaros" Kaváfis recria uma cidade imaginária e decadente. Uma cidade imóvel em sua civilizada inércia decorosa, em sua brandura de cônsules e leis e oradores. Um estado pacífico onde a ordem e a eqüidade imperam mas onde falta algo. Este algo que falta chama-se alteridade que, como se sabe, só se encontra fora: com os bárbaros.
Duas realidades se articulam no quadro poético:
* o adentro plúmbeo, expectante, solene dos civilizados
* e o afora esperançoso, deslumbrante, sensual e selvagem dos bárbaros.
Lá, naqueles de além das fronteiras, está a felicidade, a vida simples. Mas civilização é destino, é, portanto, fatalidade. Kaváfis reafirma isso senão na quietude, na solene e ansiosa espera dos cidadãos e seus dignatários. Só se rompe este hieratismo teatral, este encantamento coletivo, quando algumas pessoas, aquelas vindas das fronteiras, trazem a má notícia de que os bárbaros não existem. Sem alteridade não há saída. A cidade deve resignar-se a viver sua vazia decadência tão desprovida de estímulos como de bárbaros.
Quando tudo se desmorona à nossa volta, basta-nos qualquer ínfima coisa, um messias de arrabalde, uma alegoria, para conferirem à nossa desorientação a dignidade de um rumo, de uma teleologia. Caímos com fragor? Que interessa se acreditarmos haver uma solução, bárbara que seja. E, sobretudo, que a solução chegue.

À espera dos bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

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