A CANÇÃO


- Não poderia ser diferente! refletia enquanto da pequena janela fitava a chuva que caía lentamente.

Seu som tão melódico, poderia inspirar o mais afortunado dos seres à compor um poema que enalteceria o amor ou o bucolismo tênue, mas não inspirava a mim... não ali.

Pensava... apenas pensava!
Como se estivesse exausta de minhas psicoses, tentava simplesmente uma alternativa que preenchesse minhas lacunas mais profundas, que suprisse meus anseios e sucumbisse meus tolos receios.
Jamais compreendi esse saudosismo melancólico que tudo acolhe e nunca soube lidar com a consciência masoquista que a tudo afugenta... sempre optei pela tolerância pacifista que não aconchega ou repele: apenas bloqueia.
E não seria este o meio mais eficaz?

Talvez assim garanta meus sonhos mais tranquilos... mas de que vale mesmo os sonhos?
Talvez este zelo exacerbado não me permita ouvir a canção e não possa dançar. Talvez o medo egoísta de evitar uma lágrima não deixe que eu provoque ou experimente o sorriso.

Mas não pode ser diferente e apenas pensava.
A chuva cessou e ainda que tímido surgia o sol, tão radiante e singelo, que até mesmo os pássaros não resistiam e cantavam... e cada vez mais!

Espere... posso ouvir a canção!!!
Solitária, olhei ao meu redor: e enfim sorri... nada mais me impedia!!!



ADULTOS- Vladimir Maiakóvski


Os adultos fazem negócios.
Têm rublos nos bolsos.
Quer amor? Pois não!
Ei-lo por cem rublos!
E eu, sem casa e sem teto, com as mãos metidas nos bolsos rasgados, vagava assombrado.
À noite vestis os melhores trajes e ides descansar sobre viúvas ou casadas.
A mim Moscou me sufocava de abraços com seus infinitos anéis de praças.
Nos corações, no bate o pêndulo dos amantes.
Como se exaltam as duplas no leito do amor!
Eu, que sou a Praça da Paixão, surpreendo o pulsar selvagem do coração das capitais.
Desabotoado, o coração quase de fora, abria-me ao sol e aos jatos d'água.
Entrai com vossas paixões! Galgai-me com vossos amores!
Doravante não sou mais dono de meu coração!
Nos demais - eu sei, qualquer um o sabe!
O coração tem domicílio no peito.
Comigo a anatomia ficou louca.
Sou todo coração - em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga acumulada torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável não para o versos de veras.

A CANÇÃO DOS HOMENS - sobre os encantos da África


O continente africano, considerado o berço da humanidade, como todos sabemos foi amplamente devastado pelas potências mundiais, sobretudo no período de colonização. Porém muitos costumes e crenças cruzaram séculos e permanecem até hoje.
Trata-se de especifidades mantidas por gerações apesar do modernismo ter assolado o continente mostrando suas cruéis garras.


Dentre essas tradições está um ato milenar praticado e mantido com vigor por indivíduos de uma tribo primitiva da África, o de conceder a cada novo membro (cada criança) uma canção exclusiva e intransferível  que lhe acompanha por toda vida. Este ato é chamado de Canção dos homens ou ainda Tua canção.


Quando uma mulher descobre-se grávida, ela fica incumbida de se afastar da tribo por um período até o momento que tenha inspiração para elaborar uma canção para a criança. Assim que a canção está composta a mãe a ensina para o pai da criança para que juntos cantem e o bebê se sinta desejado e então depois para toda tribo.
As músicas possuem sempre as mesmas notas, mas se diferem nas palavras usadas e no ritmo, é como se fosse uma identidade musical.
Deste modo quando a criança nasce, a tribo reúne-se e entoam a canção, que lhe é ensinada durante a infância.


A canção acompanha o indivíduo por toda vida, e é entoada sempre que se julga necessário e em todas as etapas importantes da vida, seja ele a passagem da infância para juventude, ou quando atinge a fase adulta e até mesmo quando o indivíduo se casa.


Se em algum momento da vida o indivíduo pratica algum crime ou qualquer tipo de infração, ele é levado até o centro do povoado onde se forma um círculo ao seu redor e a canção é entoada. Desta forma eles resgatam a identidade do indivíduo, eles acreditam que o erro não é contornado pela punição e sim pela demonstração de amor e pela lembrança da verdadeira identidade da pessoa, presente na canção.
Quando "sua alma está para ir-se deste mundo" a tribo se reúne novamente como em seu nascimento e cantam para a viagem.


A "canção dos homens" é uma maneira de ressaltar a individualidade de cada um, de acalentar dias atormentados e de manter viva a esperança e a certeza de quem és.
Esse costume milenar, se tornou conhecido pelo ocidente a partir de um texto elaborado pela escritora africana Tolba Phanem chamado Your song e em seu percurso ela ressalta com maestria a seguinte expressão, que explica de maneira sucinta e eficaz esse costume:

"Quando reconhecemos nossa própria canção já não temos desejos nem necessidade de prejudicar ninguém. Teus amigos conhecem a “tua canção” e a cantam quando a esqueces. Aqueles que te amam não podem ser enganados pelos erros que cometes ou as escuras imagens que mostras aos demais. Eles recordam tua beleza quando te sentes feio, tua totalidade quando estás quebrado, tua inocência quando te sentes culpado e teu propósito quando estás confuso."


A "canção dos homens" constitui uma das milhares peculiaridades encantadoras da África, que de forma concisa e magnânima demonstra a genialidade e singularidade desse continente e nos convida a pratica do amor e do perdão e nos aconselha a não desistir e quando o peso das dificuldades ou a alegria da vida chegarem mais perto, lembrar quem realmente somos.


Your Song
Tolba Phanem


When a woman of a certain African tribe knows she is pregnant, goes to the jungle with other women, and together they pray and meditate until you get to “The song of the child.”
When a child is born, the community gets together and they sing their song.
Thus, when the child begins his education, people get together and he sings his song.
When you become an adult, they get together again and sing.
When it comes to your wedding, the person hears his song.
Finally, when your soul is going from this world, family and friends are approaching and, like his birth, sing their song to accompany it in the “journey”.
In this African tribe, there is another occasion when men sing the song.
If at some point the person commits a crime or aberrant social act, take you to the center of town and the people of the community form a circle around her.
Then they sing “your song.”
The tribe recognizes that the correction for antisocial behavior is not punishment, is the love and memory of his true identity.
When we recognize our own song, since we have no desire or need to hurt anyone.
Your friends know “your song”. And sing when you forget it.
Those who love you can not be fooled by mistakes you have committed, or dark images you show to others.
They remember your beauty as you feel ugly, your total when you’re broke, your innocence when you feel guilty and your purpose when you’re confused.



AS BRUXAS DE SALÉM - a intolerância sob à égide do moralismo e fanatismo religioso


A Idade Média foi marcada pela busca desenfreada da soberania da Igreja, e como sabemos afim de impor sua autoridade indiscutível a entidade não poupou esforços, muitas vezes recorrendo à métodos nada convencionais.
Dentre essas práticas autoritárias, destaca-se a intolerância em relação a qualquer outra manifestação religiosa que se opunha aos costumes atribuídos e cultivados pela Igreja.
No início do século XIV, os países da península Ibérica começaram a patrocinar explorações além das fronteiras da Europa, o que proporcionou o descobrimento de lugares até então desconhecidos e a interação com outros povos e culturas totalmente diversas. Já no fim da primeira metade do século XIV, a Europa foi assolada por uma pandemia de peste bubônica (peste negra). Aflitos pelo desconhecimento das causas desse mal,  aflorou no imaginário coletivo a ideia de que a peste tinha na verdade fatores místicos, dando início à uma série de perseguições que ultrapassaram os séculos e permaneceu ainda durante a Idade Moderna.
Alimentados pelo fanatismo religioso, a crença em bruxaria generalizou-se de tal forma que, no fim do século XV, a igreja cedeu à pressão do medo e paranoia populista, iniciando em 1484 uma série de julgamentos pela prática de bruxaria, sendo também publicado em 1486 o Malleus Maleficarum, o mais popular manual de caçadores de bruxas.
Durante o episódio histórico conhecido como Caça as bruxas (que começou no século XV e atingiu seu apogeu nos séculos XVI e XVII),  muitos foram os absurdos praticados. Na Europa as arbitrariedades cometidas com a Família Pappenheimer, figura dentre o mais cruel fato desse período.
A intolerância e o misticismo disseminado violaram o território europeu e alcançou o Novo mundo, onde o caso mais notório e pungente foi o das Bruxas de Salém, onde atos inadmissíveis foram cometidos em nome de uma transgressão jamais comprovada.


A vila de Salém no estado de Massachusetts, era um lugar triste e sombrio no fim do inverno de 1692. Entre as imensas florestas e o mar vasto e calmo, parecia que o mundo estava se fechando para os colonos puritanos que habitavam a área. Duas tribos de nativos norte-americanos lutavam entre si em um lugar próximo. A varíola tinha começado a afetar a população de cerca de 500 pessoas.
"Em 1692, era fácil acreditar que o diabo estava muito perto de Salém. Mortes repentinas e violentas ocupavam as mentes das pessoas", escreveu o historiador Douglas Linder.
A estrutura social também estava sob pressão. Três novas gerações haviam nascido na vila desde a chegada dos colonos originais, cada uma delas aparentemente mais afastada da devoção séria e religiosa ao código bíblico que havia guiado os puritanos da Europa para a imensidão norte-americana. O plano original dos puritanos de criar um novo Jardim do Éden parecia estar dando errado.
Samuel Parris, ministro anglicano, havia se mudado para a aldeia de Salém em 1689, com sua família e dois escravos, Tituba e Jhon, um nativo índio e havia se tornado pastor da vila.
Nesse período a pequena Elizabeth Parris, filha do novo pastor Parris e sua prima Abigail Willams começaram a demonstrar um comportamento estranho; elas apresentavam convulsões e histeria incontroláveis, enquanto gritavam que sua pele queimava.


Levadas ao médico local William Griggs, que pressionado pelo pastor e sem a mínima noção do que seria a causa física da doença, aponta a bruxaria como fator responsável pelo estado das meninas.
Indagadas, as garotas culparam a escrava barbadiana Tituba de praticar rituais místicos e de narrar contos demoníacos.
Praticamente no mesmo instante, a menina Ann Putnam desenvolve os mesmos sintomas de Beth e Abigail e seus pais culpam sua vizinha, a viúva Sarah Osborn de estar em estado de possessão e conduta condizente com bruxaria.
A partir desse momento, outras crianças foram acometidas pelo mesmo mal e as denúncias de bruxaria cresciam descontroladamente.



Em 27 de maio o recém chegado governador, Sir William Phips, fundou um Tribunal especial de Oyer e Terminer composto de sete juízes para julgamento dos casos de bruxaria.
Compuseram o Tribunal: William Stoughton, Nathaniel Saltonstall, Bartholomew Gedney, Peter Sergeant, Samuel Sewall, Wait Still Winthrop, John Richards, John Hathorne, and Jonathan Corwin.
Uma equipe foi formada e encarregada de examinar os indivíduos denunciados; sendo que dentre os métodos de investigação utilizados estava métodos brutais de tortura.


Diante desses métodos, muitos acusados confessaram culpados para se livrar do sofrimento. A escrava Tituba, confessou sua culpa  e inclusive denunciando outras pessoas teoricamente possuídas. Ela nunca chegou a ser julgada, mas foi confiscada de Parris e vendida depois.
Em 2 de junho Bridget Bishop foi o primeiro a ser considerado culpado e condenado à morte, sendo enforcado 8 dias depois.




Dentre os acusados e condenados à forca estão a mendiga semi-louca Sarah Good, a beata Martha Corey, enfermeira Rebecca Nurse, Susannah Martin, Elizabeth Howe, Sarah Wilds, George Burroughs, Martha Carrier, John Willard, George Jacobs, Sr.John Proctor, Mary Eastey, Ann Pudeator, Alice Parker, Mary Parker, Wilmott Redd, Margaret Scott e Samuel Wardwell.
Alguns acusados morreram ainda na cadeia como Sarah Osborn, Roger Toothaker, Lyndia Dustin e Ann Foster.
O acusado Giles Corey (marido de Martha Corey) foi vítima da mais cruel penalidade. Giles alegou inocência da acusação de feitiçaria, mas subseqüentemente recusou levantar-se diante do tribunal; esta recusa significou que ele não podia ser julgado legalmente. Porém, os examinadores dele escolheram sujeitá-lo a interrogatório mediante tortura. Replicando um antigo método medieval, foi colocado pesadas pedras em cima de seu corpo. Ele sobreviveu a esta brutal tortura por cerca de três dias e morreu.


O tribunal foi dissolvido pelo Governador Philips em 29 de outubro, depois de executadas 20 pessoas e mais de 200 presos. Os magistrados de Salem que tinham começado os processos, admitiram os erros entre lágrima e lamentações.
E assim teve fim ao período de horror na pacata vila.



Dentre as explicações para o surto das garotas, estão um possível envenenamento por grãos ou efeitos colaterais da epidemia de varíola que assolou a vila.
Já a acusação dos envolvidos em bruxaria, deve-se segundo pesquisadores à um amplo conflito de interesses; os membros puritanos da vila acusaram pessoas que por algum motivo feriam aos costumes ou regras da sociedade religiosa, ou ainda apenas pessoas que não se enquadravam no quadro social vigente, um exemplo disso é a mendiga Sarah Good.
Além de ser viúva Sarah Osborn, sofreu desconfianças de adultério e travava uma batalha judicial pela posse da terra que herdou de seu primeiro marido, contra seus vizinhos e pais de Ann Putnam.
Já Giles Corey vivia seu quarto casamento com Martha, o que implicitamente (por ocuparem um lugar de prestígio na sociedade) era mal visto pelos demais.
A caça as bruxas de Salém, foi talvez um dos períodos mais brutais da história dos Estados Unidos, em que a ignorância vitimou pessoas inocentes e a natureza rude do ser humano alcançou níveis extremos.





Sobre a família européia acusada de bruxaria e as condições para acusar indivíduos de santidade ou de demonismo.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Fam%C3%ADlia_Pappenheimer
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=1008

COLOMBIANA - em busca de vingança



Colombiana – Em Busca de Vingança
Título original:  Colombiana
País de origem: Estados Unidos / França
ano: 2011
104 min.
Direção: Olivier Megaton
Roteiro: Luc Besson e Robert Mark Kamen.
Elenco: Zoe Saldana, Michael Vartan, Cliff Curtis, Lennie James e Jordi Mollà.

Colombiana, traz em seu enredo a já conhecida e repetitiva história presente em filmes do gênero, de um protagonista com atitudes e caráter questionáveis movido por um ideal (no caso a vingança) e impulsionados por algum trauma do passado. Porém a trama rompe com os clichês, justamente no que diz respeito ao protagonista, que neste caso fica com a talentosa e estupidamente bela Zoe Saldana; rompendo com a supremacia masculina nesse âmbito.
Aparentemente frágil e delicada, Zoe interpreta de forma satisfatória a enigmática Cataleya; que ainda criança no âmago do perigoso universo de cartéis colombianos, viu seus pais serem mortos sob a ordem do chefe supremo da máfia Dom Luis.


Ainda que sob a pena da perda da consistência da narrativa (que é aceitavelmente válida retirando esse episódio), presenciamos a grotesca cena de uma criança conseguindo escapar de um bando de assassinos perigosos e após conseguir um admirável acordo em uma embaixada, driblar a segurança norte-americana e fugir até "milagrosamente" localizar seu tio em território desconhecido.
A partir de então, a trama retoma sua regularidade e nos mostra os caminhos que Cataleya toma para conseguir sua ambiciosa vingança e alcançar o objetivo tão almejado por ela: se tornar assassina.


Com a ajuda e a proteção de seu tio Emílio, Cataleya inicia uma perigosa vida dupla. Enquanto vive um romance discreto com um artista plástico que nada sabe sobre a moça, ela se equilibra para esquivar de investigações para continuar seu percurso.
Sob a perspectiva de estar acima do bem ou do mal, Cataleya alimenta sua vingança eliminando figuras poderosas que cometiam algum tipo de infração.
Longe de ser a obra-prima de O. Megaton, este demonstra uma opção agradável para o gênero, onde cenas e diálogos dispensáveis são absolutamente compensados pela trilha sonora final, pautado na incrível Hurt de Johnny Cash, que cai como uma luva ao contexto de arrependimento e recomeço de Cataleya.






TABACARIA - Fernando Pessoa



Datado de 1928, o poema Tabacaria enquadra-se na terceira fase poética de Álvaro de Campos (o heterônimo mais famoso de Fernando Pessoa), a fase, "intimista", onde mergulha nas profundezas da angústia e do pessimismo. O autor retorna ao tema do cansaço, da inquietação diante do incompreensível. Tabacaria é o melhor exemplo deste último período criativo de Campos. Talvez, seja a poesia mais significativa desse heterônimo, pois nela podemos encontrar muitas das características presentes em sua obra.

Não sou nada.
Nunca serei nada. 
No posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas —
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas —,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma sem
Porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates coma mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê —
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

 Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
 E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

 (Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
 Talvez fosse feliz.)
 Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

JOHNNY CASH - entre erros e glórias, nasce um mito


Com olhar distante, rosto sombrio, atitudes rebeldes e letras melancólicas. Assim que Johnny Cash emergiu para o mundo na década de 50: como um ídolo cujo exemplo não deveria ser seguido.O man in black, como  ficou conhecido, trazia consigo uma triste história e erros pela qual se culparia todos os dias da sua vida. Ele seria apenas mais um cantor do interior dos Estados Unidos que conseguiu atingir o sucesso, mas dono de um talento nato e uma voz sepulcral, quis o destino que ele se tornasse um dos maiores nomes da música de todos os tempos.

Nos campos de algodão


" Eu era uma criança, esse monstro que os adultos fabricam com as suas mágoas."
Jean-Paul Sartre



Johnny R. Cash nasceu no dia 26 de fevereiro de 1932, em Kingsland uma pacata cidade do estado norte americano do Arkansas, sendo o quarto membro de uma família de sete irmãos.
Os negócios na fazenda da família não deram certo e com apenas 3 anos de idade, mudaram-se para Dyess, onde a plantação de algodão seria a salvação financeira.
Mas uma infância pobre, estava longe de ser o pior pesadelo do pequeno John, que sofria com o alcoolismo e a agressividade gratuita de seu pai.
Com apenas cinco anos, Cash começou a trabalhar na plantação de algodão junto com seus irmãos. Porém no ano de 1944, a tragédia abateu-se sobre sua família.
Em uma manhã do mês de maio quando Johnny pescava perto da fazenda da família, seu irmão mais velho Jack  foi puxado por uma serra de madeira no moinho em que trabalhava, sendo quase partido ao meio. Jack ainda sofreria uma semana antes de morrer. Este incidente iria marcar a vida de Cash, que se sentia culpado por não estar com o irmão no momento; ele inclusive creditava à esse fato seu temperamento.
Neste período Cash, embalado por canções gospel começou a compor suas primeiras músicas enquanto aprendia com a mãe tocar guitarra.

Os primeiros passos pra fama

"Não se conquista a fama deitado sobre leves plumas."
Dante Alighieri




No ano de 1952, Johnny alistou-se na Força Aérea norte-americana e foi destacado para Alemanha. Durante sua estadia em território germânico, ele formou sua primeira banda os The Landsberg Barbarians, (na qual interpretava os primeiros temas que escrevera) foi ainda durante esse episódio que compôs um de seus maiores sucessos  "Folsom Prison Blues".
Quando voltou das forças armadas em 1954, Cash casou-se com Vivian Liberto, que havia conhecido antes da recruta e com quem iria ter quatro filhos, ainda no mesmo ano se mudou com a esposa para Memphis onde começou trabalhar como vendedor e à noite ele tocava em um bar local com sua nova banda The Tennessee Three.
Memphis estava em ebulição, fomentando uma revolução musical no seu âmago que ameaçava explodir a qualquer momento. E Johnny Cash foi o interruptor que faltava.
Em 1955, Johnny Cash encorajou-se e procurou o produtor musical Sam Philips (o mesmo que descobriu Elvis Presley) na produtora Sun Records.
Cash escolheu para o teste uma seleção de músicas gospel, no fim da audição recebeu de Sam a tarefa de voltar para casa e pecar, e depois voltar com uma música que ele pudesse vender.
No dia seguinte, Johnny voltou a gravadora e com a canção Hey Porter convenceu Sam, que entusiasmado impulsionou a gravação dos primeiros hits Cry Cry Cry e a canção usada na auditoria (Hey Porter).
As gravações seguintes de Cash  Folsom Prison Blues e I walk the line alcançaram consequentemente a 5ª e 1ª colocação no TOP 5 Country, e em 1957 ele lançava o primeiro álbum completo da Sun Records o "Johnny Cash With His Hot And Blue Guitar". Os seus dotes de compositor também não passaram despercebidos e rapidamente Cash passa também a escrever para estrelas como Elvis Presley, Roy Orbinson ou Jerry Lee Lewis.
Nesse período Johnny já era o cantor mais lucrativo da Sun (uma vez que Elvis, já havia abandonado o selo), e ele começava a sentir os efeitos negativos da fama. Fatigado pelos inúmeros shows e  descontente pelas limitações do contrato, Cash rompeu com a produtora e aceitando uma lucrativa proposta assinou com a Columbia Records.


Oscilando entre o caos e a redenção

"O caos é uma ordem por decifrar."
José Saramago




Os anos 60 surgiu com força total e seu frenesi, aliado com o ritmo frenético de shows e as constantes brigas conjugais ebuliram de tal forma que Johnny emergiu em um caos total. Buscando um alívio que jamais viria em anfetaminas, barbitúricos  e no álcool; ele tornou-se dependente.
Durante os anos 60 Cash lançou vários álbuns conceituais, como "Bitter Tears", de 1964 e "Ballads Of The True West", de 1965. Entretanto o vício continuava, e seu comportamento destrutivo provocou o divórcio, além de causar várias confusões durante seus shows.
Em junho de 1965, o caminhão de Cash pegou fogo devido a um rolamento de roda superaquecido, provocando um incêndio florestal em Los Padres National Forest, na Califórnia. O incêndio destruiu 508 hectares.
- "Eu não me importo com seus malditos urubus amarelos" teria dito durante esta ocasião.
O governo federal processou-o e recebeu 125,172 dólares.
A carreira e popularidade de Johnny declinava consideravelmente ao mesmo tempo que seus status de rebelde ascendia.
Johnny Cash parecia estar na rota inevitável da auto-destruição, quando conheceu June Carter, uma conhecida cantora country que superava seu segundo divórcio.
A parceria dos dois iniciou-se apenas no âmbito profissional e juntos lançaram a canção Ring of fire, que foi responsável por relançar a carreira de Johnny e alcançou o primeiro lugar nas paradas.
Johnny Cash tinha uma visão muito particular da vida. Para ele, não havia culpados nem inocentes perante os olhos uns dos outros, apenas perante os olhos de Deus. Além de isso lhe ter valido o rótulo de rebelde – ao qual ajudavam as prisões e as dependências de drogas – Cash aliou o estatuto de ídolo ao de ícone da contra-cultura.
Cash começou inclusive a dar concertos nas prisões, o que o elevou a um novo patamar de veneração e fez surgir dois de seus maiores sucessos os álbuns ao vivo Johnny Cash at Folsom Prison (1968) e Johnny Cash at San Quentin (1969).
Não era só o fato de ir tocar às prisões: era a própria atitude com que o fazia. No álbum de 1968 Johnny Cash At Folsom Prision, ele dizia:
“Antes de começar a tocar disseram-me que não me devia comportar assim ou assado, que devia tocar isto e aquilo e que não podia tocar esta ou aquela canção. O que eles não percebem é que eu estou aqui para tocar para mim e para vocês. Por isso, o que querem ouvir?”
Eram atitudes como esta que o elevavam a um nível superior de galvanização: já não era só o músico de exceção, era também o ídolo venerado.



Em 1968 após uma tentativa frustada de suicídio, Cash pediu June Carter em casamento, durante uma performance ao vivo em Londres. No dia 1 de março do mesmo ano, eles se casaram.
Impulsionado por seu amor por June, por sua fé revigorada e pelo nascimento em 1969, de seu único filho do sexo masculino John Carter Cash (os frutos de seu primeiro casamento foram 6 filhas) Johnny decidiu livrar se do vício.
Em 1970 ele inaugurou seu próprio programa pela rede ABC, o “The Johnny Cash Show” e se aventurou no cinema. Em 71 ele lançou a música Man in black, onde explicava seu apelido e sua atitude, quatro anos depois ele lançou sua autobiografia com o mesmo nome da canção.
A sua popularidade porém começou a declinar e suas canções não obtinham grande impacto, e diante desse episódio Cash após 7anos, teve uma recaída com as drogas.
Apesar de se ter tornado no mais novo músico de sempre a ter o nome inscrito no Country Music Hall Of Fame no início da década de 80 e ainda ter tentado o regresso ao formar duas super-bandas, os Survivors e os Highwaymen, ele aproximava-se perigosamente do esquecimento.
Em 1986, ele publicou seu único romance: Man in White; na década de 88, durante uma visita ao hospital, à um amigo Cash resolveu realizar um check-up que diagnosticou um leve problema e foi realizado uma cirurgia no coração.


Os últimos anos - a morte de um homem e o nascimento de um mito


"O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão."
Gabriel García Marquez



 Nos anos 90, o conceituado produtor Rick Rubin resgata-o para a sua produtora, American Recordings, na qual enceta uma série de quatro álbuns, já sob precárias condições de saúde, devido a um crónico problema de diabetes. Em quatro álbuns, Rick Rubin rejuvenesceu os seus clássicos, dando-lhes novas roupagens para um público mais jovem, intercalando-o com versões de êxitos contemporâneos, de bandas como os Soundgarden ou Beck.
Em 1997, Cash foi diagnosticado com a doença neurodegenerativa síndrome de Shy-Drager, é um distúrbio degenerativo caracterizado por danos progressivos ao sistema nervoso autônomo, tremores musculares, rigidez, movimentos lentos e outras perdas neurológicas generalizadas. O diagnóstico foi depois alterado para neuropatia autonômica associada com a diabetes. Esta doença forçou Cash para reduzir sua turnê. Ele foi hospitalizado em 1998 com grave pneumonia, que prejudicou seus pulmões.
Os álbuns "American III: Solitary Man" (2000) e "American IV: The Man Comes Around" (2002) contém a resposta de Cash para sua doença sob a forma de canções de um tom ligeiramente mais sombrio do que os dois primeiros álbuns da série. O videoclipe de "Hurt", canção composta por Trent Reznor do Nine Inch Nails, foi indicada em sete categorias do Video Music Awards da MTV, ganhando o prêmio de Melhor Fotografia. Em 2004 "Hurt" também venceu o Grammy de Melhor Videoclipe.
Em maio de 2003, June Carter (a quem Cash creditava sua reabilitação) faleceu aos 73 anos de idade. Após sua morte, Johnny ainda produziu 60 novas canções (seguido o pedido que June lhe fez para continuar produzindo). Mas Cash não resistiu a vida sem sua amada e quatro meses depois de sua morte, no dia 12 de setembro de 2003, Johnny faleceu sendo enterrado ao lado de sua esposa no Hendersonville Memory Gardens.
Morria o homem, mas sua voz ecoaria pela eternidade e assim nascia o mito!!!



"Eu me visto de preto pelos pobres e oprimidos
Que vivem no lado faminto e sem esperanças da cidade
Eu me visto assim pelo prisioneiro que há muito pagou por seu crime
Mas está ali pois é uma vítima do tempo".
da canção: Man in black

A TERRA DESOLADA- T.S Eliot




Nas cinco partes do longo poema A Terra Desolada (1922), do americano naturalizado inglês T. S. Eliot (1888-1965), encontra-se um sumário conciso da história do pensamento ocidental. Entre as vozes que se alternam, há constantes empréstimos à literatura europeia, à literatura indiana e à Antiguidade clássica.
Símbolo da civilização sem rumo do pós-Primeira Guerra, o poema contribuiu - ao longo de seus mais de 400 versos - para sedimentar as bases do modernismo (embora Eliot se afirmava como classicista).
Segundo críticos, o poema remete ao  mito do Santo Graal das novelas de cavalaria medievais, à um país desolado e sáfaro, governado por um rei impotente, país no qual não apenas os animais de reproduzir-se, como os próprios habitantes humanos se tornaram incapazes de ter filhos. Mas logo identificamos tal esterilidade como a esterilidade do temperamento puritano.
O poema traduz o universo de infertilidade do pós guerra, onde os homens eram tomados por incertezas e se contentavam com prazeres medíocres e sórdidos.
O poema traz assuntos recorrentes, utilizando de justaposições entre o feio e o belo, o burlesco e o grandioso.
A Terra Desolada foi publicada inicialmente na revista Criterion, fundada e dirigida por Eliot. Consciente da complexidade da obra, ele elaboraria posteriormente sete páginas de explicações e referências, um mapa que acreditava ser importante para a compreensão de seu poema. Os versos foram consumidos com voracidade pelos escritores da época, causando profundo impacto principalmente no grupo da geração perdida de Gertrude Stein, Ernest Hemingway e Francis Scott Fitzgerald. 



1- O enterro dos mortos

Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aléias de Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Big gar keine Russin, stamm' aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam,
nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto

De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

Trecho de “Terra Desolada”, de T.S. Eliot.

A RESISTÊNCIA - rompendo esteriótipos


Título original: The Brest fortress
País: Rússia
Gênero: Guerra
Ano: 2010
Duração: 138 Min.
Produtora: FlashStar Home Video
Direção: Aleksandr Kott
Elenco: Aleksey Kopashov, Andrey Merzlikin, Pavel Derevyanko, Aleksandr Korshunov


Confesso que me opus ferrenhamente ao primeiro ímpeto de comprar esse DVD, assim que li em seu verso, o substantivo RÚSSIA  logo depois da palavra país de origem. Entretanto entusiasmada por uma capa atraente o coloquei de lado, enquanto escolhia outros títulos; por fim cedi a minha curiosidade e o levei... e em nenhum instante me arrependi disso.
Meu pré-conceito muito provavelmente se deve ao fato do meu mínimo conhecimento do cinema russo (infelizmente minha concepção sobre esse assunto se restringe a Eisenstein e Tarkovski - gênios da sétima arte) ou ainda pode vir da minha breve leitura da sinopse, que muito longe de ser medíocre narrava sobre um acontecimento qualquer da 2ª Guerra mundial. 
 -"Mais um filme sobre a guerra" pensei comigo. E me enganei.
Este não apenas é mais um filme sobre a guerra, é simplesmente o melhor filme de guerra que já vi (salvo o histórico Apocalipse Now). Mesclando magistralmente uma história simples e absolutamente provável com cenas arrebatadoras, o filme não peca em momento algum pelo apelo dramático característico das versões hollywoodianas da guerra; se atém no entanto a narrar e demonstrar os conflitos gerado pela guerra de acordo com a visão pragmática dos russos.


Um dos ônus de se estar do lado capitalista do mundo é que historicamente nos é ensinado a visão desta ideologia sobre os fatos, e não diferente ocorre com as guerras. A vitória dos aliados na 2ª G.M nos foi contada magnanimamente a partir  batalhas e conflitos envolvendo os Estados Unidos, sendo que ataques em seu território (salvo a base Pearl Habor) foram nulos. A maior parte dos conflitos armados envolvendo os aliados se instaurou no território europeu.

O filme:

A Operação Barbarossa  (em alemão: Unternehmen Barbarossa) foi o codinome pelo qual ficou conhecida a operação militar alemã para invadir a União Soviética, iniciada em 22 de junho de 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, rompendo assim com o Pacto Ribbentrop-Molotov (ou tratado de não-agressão) acordado entre os dois Estados menos de dois anos antes.
A operação iniciou com a invasão e tentativa de tomada dos alemães da Fortaleza de Brest (construída no século XIX na cidade de Brest na Bielorrússia) que foi palco de um dos capítulos mais importantes da segunda grande guerra.
O filme narrado em primeira pessoa, traz as lembranças do veterano de guerra Sashka Akimov, na época com apenas quinze anos. Sashka que era órfão, juntamente com seu irmão serviam ao exército vermelho e viviam na fortaleza, assim como a maioria dos familiares dos oficiais, inclusive Ania, a filha mais velha de um comandante e enamorada do menino.
Introduzidos no universo soviético pré-guerra, onde a especulação e medo tomavam ares aos poucos, o exército alemão surpreende e demonstrando maestria consegue invadir a Rússia e ataca a famosa Fortaleza de Brest.
Os soldados do exército vermelho resistiram ferozmente em condições medíocres durante dias, entre 29 e 30 de junho porém, a 45ª divisão de Infantaria alemã lançaram um grande ataque, auxiliado inclusive por bombardeiros Ju-88. O resultado é uma penetração profunda na fortaleza. Os lideres da resistência soviética foram presos e exterminados ou enviados a campos de prisioneiros. Este golpe liquidou a resistência organizada no setor e assim a batalha é considerada vencida pelos alemães. Mas bolsões de resistência organizada por pequenos grupos  ainda resistiram até a primeira semana de julho, aproximadamente.

O diretor Aleksandr Kott consegue um feito admirável: na tela, rostos desconhecidos (portanto contribuinte para uma maior realidade) e repleto de cenas épicas, como quando em meio ao bombardeio nazista um soldado alivia a agonia de seu cavalo, o chocante momento em que que um pai mutilado se suicida para salvar o filho ou o suicídio duplo de um casal, o filme tem o poder de nos emocionar e envolver de um modo peculiar.
Uma incrível narrativa de um importante conflito da segunda guerra mundial, que auxiliado por ótimas atuações e uma envolvente história se mostra uma formidável opção.


  






trailer do filme:


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